sábado, 16 de janeiro de 2010




A Lenda dos Amores-Perfeitos

Por: Neuza Razza

Há muitos e muitos anos, todas as flores eram perfumadas e outras até mais que as próprias violetas ou as damas da noite.


Eram os amores-perfeitos com seu perfume suave e adocicado, espalhava o seu aroma por grandes distâncias, o colorido de suas pétalas davam um ar de beleza incomum ao ambiente, parecendo uma pintura da natureza e o encanto de seus matizes festivos. Eles nasciam nos campos e em maior abundância no meio dos trigais que eram impregnados pela sua fragrância e no dourado dos campos de trigo enfeitado pelo colorido de suas flores.


Sentia-se como se fossem os únicos, os mais belos e perfumados do mundo, e com o bater do vento nos galhos, suas flores dançavam como se uma orquestra tocasse músicas melodiosas especialmente para eles, em um vasto salão dourado onde os bailarinos eram os coloridos e perfumados amores-perfeitos.


Acontecia, porém, que os homens atraídos pelo seu aroma vinham colhê-los e estragavam os campos de trigo. Por isso, as colheitas eram cada vez mais pobres.


Ao longe um garoto caminhando vagarosamente com o seu boné sobre os olhos, calça até aos joelhos, tipo bermudão, preso por suspensórios de pano, camisa xadrez bastante surrada pelo uso, parando de vez em quando chutava uma pedrinha aqui ou um montinho de terra ali com seus pezinhos descalços, e de cada chute representava a esperança, a alegria, os sonhos de um garoto humilde e que provavelmente sem um futuro melhor.


Pensativo foi se aproximando do campo de trigo de seu pai. Parou, olhou os trigais em flores, já com os grãos feitos, esperando só o amadurecimento para serem colhidos. Não contendo as lágrimas que brotavam, e que há bastante tempo estavam presas em seus olhinhos foram escorrendo, parecendo gotas de orvalho brilhantes e transparentes pelas suas faces vermelhas do calor do sol escaldante nessa época do ano.


As flores nem tinham percebido a sua presença, pois estavam tão acostumadas a serem elogiadas e acariciadas por todos, que ele seria mais um deles.


Só notaram quando uma das lágrimas ainda quente caiu em suas pétalas. O amor-perfeito assustou-se, levantando suas pétalas viu as lágrimas que borbulhavam e insistiam em cair dos olhos do garotinho e ficou compadecido.


Oh! Meu amiguinho, diga o que aconteceu, pois está tão triste e choroso, num dia belo e cheio de luz, olhe a sua volta e aprecie a natureza.

Olhe bem amor-perfeito para esse campo, você não notou que o trigo está cada vez mais escasso?


Não havia percebido, pois só agora que você chamou a minha atenção, vejo que realmente há muito pouco trigo.


Todos atraídos pelo seu perfume e o colorido de suas flores, arrasam, as plantações, e nós somos prejudicados; este ano, não vamos ter boa colheita, as despesas são muitas. Se continuar assim, teremos que nos mudar, eu não gostaria. Amo esse lugar onde nasci.


Lágrimas copiosas caiam livremente de seus olhos, banhando as pétalas do amor-perfeito.


Enxugando com as costas das mãos os olhinhos, deitou seu olhar pelo vasto campo como se despedisse, virou-se caminhando cabisbaixo, devagar para sua casa.


Os amores-perfeitos a partir desse dia viviam tristes, porque sabiam que eles eram a causa involuntária de tantos prejuízos. Mais triste ainda com a lembrança de crianças que não tinham pão para matar a fome.


Num dia de sol, em que o vento balançava os trigais com suas espigas maduras, um amor-perfeito suplicou a Deus.


Oh! Meu bom Deus! Retire o perfume de nossas flores para que os homens nos deixem em paz. Assim, não mais se estragaram os belos campos de trigo.


Deus vendo àquela súplica humilde, saída do fundo de seu coração, atendeu o pedido feito com tanta sinceridade.


Desde então, os amores-perfeitos, já sem perfume, ficaram esquecidos nos campos de trigo, que passaram a produzir fartas colheitas.


Eles continuaram a crescer tão belos, dando um colorido na vasta natureza, não se importando por não possuírem mais o aroma, pois a alegria no rosto do garoto valia todo e qualquer sacrifício.



Quero tornar-me aquilo que sou: Uma criança feita de luz.
E deixar algum sinal de alegria aonde eu passar.